O presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite (União Brasil), oculta imóveis da Justiça Eleitoral desde as eleições de 2008, quando deixou de declarar um apartamento no bairro da Consolação, com a atual avaliação de mercado de R$ 350 mil. Nos pleitos seguintes, Leite não apresentou para a Justiça Eleitoral outro imóvel de que é dono na capital, no bairro do Jardim Riviera, com cotação que pode ultrapassar os R$ 3,5 milhões.
Milton Leite é presidente da Câmara Municipal de São Paulo pela quinta vez consecutiva e cumpre o sétimo mandato como vereador paulistano. Na última eleição municipal, em 2020, ele foi o candidato que mais gastou na campanha, com um total declarado de R$ 2,5 milhões. Obteve 132.716 votos, sendo o segundo mais votado entre os 55 vereadores eleitos.
Filho de um homem negro e de uma mulher branca, Milton Leite é considerado o político mais influente da cidade, capaz de fazer sombra ao próprio prefeito, Ricardo Nunes (MDB). Ele é o presidente municipal do União Brasil na capital paulista e tesoureiro do diretório estadual do partido. E já ventilou seu nome para compor como candidato a vice-prefeito na chapa de reeleição de Nunes.
Para as eleições de 2008, Milton Leite declarou 19 imóveis, entre terrenos e casas, avaliados por ele em R$ 1,8 milhão. Os imóveis variam de terrenos no litoral, na região de Ilha Comprida, a casas na região da Capela do Socorro, Zona Sul da capital. Entre as residências, já constava uma das principais mansões de Leite, um imóvel construído sobre três terrenos na região Sul de São Paulo.
O caso de Milton Leite pode ser enquadrado no artigo 350 do Código Eleitoral, considerado de Falsidade Ideológica Eleitoral, que se trata “da prática de conduta consistente em omitir, em documento público ou particular, declaração que dele deveria constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa, para fins eleitorais”. A pena prevista na legislação brasileira é de prisão de até cinco anos e pagamento de multa.
Em 2008, Milton Leite deixou de declarar um apartamento na região central de São Paulo, no bairro da Consolação, avaliado nos dias de hoje em aproximadamente R$ 350 mil. A residência é bem localizada, próxima à Avenida Nove de Julho e ao Terminal Bandeira, com estações de metrô na região, como a Anhangabaú.
O apartamento foi vendido em setembro de 2008, no período posterior ao registro dos candidatos a vereador, quando os políticos precisam apresentar todos os bens de que têm posse. A data limite para isso era 6 de agosto, um mês antes da venda.
O presidente da Câmara Municipal de São Paulo alegou, em nota enviada à Alma Preta, que a casa “não foi comprada em meu CPF, mas sim por minha empresa”. O documento do imóvel, contudo, diz o contrário. Em 13 de janeiro de 1999, ele e a esposa compraram o imóvel pelo valor de R$ 26 mil.
Uma mansão de posse de Milton Leite declarada em 2008 e não apresentada para a Justiça nas eleições de 2012, 2016 e 2020 está localizada na Zona Sul de São Paulo, na região próxima à represa Guarapiranga, no Jardim Riviera. O local com uma vista para a represa e prédios do bairro de Interlagos tem um cenário com marinas, veleiros e uma área arborizada. A casa registrada no nome de Milton Leite e Neusa Paulino da Silva ocupa parte significativa do quarteirão, com muros altos e plantas por todo lado, o que impossibilita visualizar a parte interna do espaço.
O terreno tem ao todo 1.2 mil metros quadrados e é avaliado pela prefeitura, com valor base de R$ 888 mil. Em imobiliárias da região, contudo, casas com tamanho similar na mesma localidade são vendidas por preços que variam entre R$ 1,9 milhão e R$ 3,7 milhões.
Em nota, Milton Leite afirmou que o imóvel pertence à sua “esposa e, portanto, está na declaração de imposto de renda dela”. Apesar disso e da confirmação do político de que o imóvel apareceu na declaração de 2008, sem justificar os motivos para deixar de apresentar nos pleitos posteriores, o nome do político aparece na matrícula de compra e o casal tem um matrimônio no formato de “comunhão universal de bens”. De acordo com artigo 1667 do Código Civil, “o regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas”. O vereador, portanto, deveria ter enviado a informação desse bem para a Justiça Eleitoral.
Mais do que isso, desde 5 de agosto de 2002 até os dias de hoje, a residência é entendida pela Receita Federal como de propriedade de Milton Leite e arrolada de maneira preventiva pelo órgão como garantia de qualquer pendência financeira jurídica dele com a justiça brasileira. O vereador deve, inclusive, comunicar à Receita Federal acerca de qualquer tentativa de venda do imóvel.
Milton Leite ainda afirmou em nota que todas as candidaturas registradas e as prestações de contas apresentadas “foram consideradas regulares e homologadas pela Justiça Eleitoral”.
Diferente da apresentação de bens feita para a justiça nos anos de 2012, 2016 e 2020, a declaração de 2008 é marcada por imprecisões. A descrição dos imóveis aparece de maneira genérica, com menor precisão sobre a localidade das residências do atual presidente da Câmara Municipal de São Paulo.
Atualmente, o político é dono de pelo menos 15 terrenos no estado de São Paulo, a maioria localizada na Zona Sul da cidade. Até o ano de 2007, o número de áreas era de ao menos 20. O período em que o político adquiriu o maior número de propriedades foi entre 1992 e 1999, quando comprou 16 imóveis.
TRE-SP não checa declarações de candidatos
O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo afirmou para a Alma Preta que “não há checagem feita pela justiça eleitoral”. O órgão ainda sinalizou não se pronunciar sobre casos concretos e que outros atores podem entrar com representação contra qualquer irregularidade, como candidatos, partidos, federações, coligações, Ministério Público e qualquer cidadão, que pode apresentar uma notícia de irregularidade para o Ministério Público. O Tribunal também afirmou que não se manifesta sobre casos concretos.
Depois de representada uma acusação, a compreensão de juízes acerca da omissão de bens varia e tem sido analisada de maneira particular. Nas decisões e acórdãos feitos sobre o tema, as escolhas da justiça foram variadas, a depender da gravidade da ocultação, se isso pode ou não ter favorecido o candidato nas eleições e se houve ou não atualização dos dados por parte do candidato.
A advogada Aline Moreira, especialista em direito eleitoral, afirma que a transparência e a declaração de bens são informações relevantes para as eleições e permitem analisar o crescimento patrimonial dos políticos.
“O patrimônio de um candidato é um dado super relevante para definir o voto do eleitor, para entender se a pessoa é rica, trabalhadora, enfim. Outro aspecto relevante é a questão de você poder mensurar o crescimento patrimonial daquela figura pública. Como é que uma pessoa desempregada ou sem renda fixa declara um ou três milhões de bens?”, questiona.
A Justiça Eleitoral também leva em consideração o valor do bem ocultado, o valor dele diante do montante total do candidato e se essa omissão foi utilizada de maneira proposital, com fins eleitorais para conquistar votos. De modo geral, a advogada afirma que a Justiça Eleitoral tem compreendido a ocultação como um fato atípico, não como um crime.
“A princípio, a Justiça Eleitoral entende isso como fato atípico, como uma irregularidade, não como um crime. Mas a decisão vai depender da quantidade de bens e os motivos da ocultação”. O entendimento da corte pode ser mais rigoroso se for compreendido que houve uma reincidência e que a ocultação foi feita com intencionalidade para enganar o eleitor.
Procurado para se manifestar, o Ministério Público de São Paulo não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Quebra de sigilo bancário de Milton Leite
Vereador da cidade de São Paulo desde 1996, Milton Leite é investigado pelo Ministério Público por suspeita de participação em um suposto esquema de lavagem de dinheiro para a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), por meio das empresas de ônibus Transwolff. Junto com outra companhia investigada, a Upbus, a Transwolff transporta 700 mil passageiros, por dia, na capital paulista.
Segundo documentos da investigação do Ministério Público publicadas pela Folha de S. Paulo, Milton Leite “teve papel juridicamente relevante na execução dos crimes sob apuração”. Por esse motivo, o presidente da Câmara Municipal de São Paulo foi alvo de uma quebra no sigilo bancário autorizada pela Justiça.
Em nota, Leite diz desconhecer qualquer quebra de sigilo bancário. Segundo o vereador, a origem do pedido de quebra estaria em um antigo inquérito policial envolvendo a construção de um galpão-garagem da Cooperman, na qual a obra foi feita por uma empresa de sua propriedade. Após o término da investigação, ele aponta que o inquérito foi arquivado, pois “nada de concreto apurou-se nesse sentido”.
Os documentos obtidos pela Polícia Civil e pelo Ministério Público mostram o testemunho de um trabalhador das companhias de ônibus que relatou casos de extorsão por parte dos empresários para a construção da atual garagem da Transwolff e que o verdadeiro dono da cooperativa era Milton Leite.
Também chamou atenção dos investigadores, ainda de acordo com a reportagem da Folha, o fato do então presidente da Transwolff, Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora, ter enviado uma mensagem com pedido de votos para Milton Leite, em outubro de 2012.
Sobre o suposto pedido, Leite afirma ser “importante lembrar que todo cidadão é livre para manifestar apoio a quem quer que seja”. De acordo com o presidente da Câmara, “todas as minhas eleições tiveram os resultados homologados pela Justiça Eleitoral, com total legalidade”.